quinta-feira, 31 de março de 2016

Mês de março encerra com chuvas 33,5% abaixo da média

 
A barragem de Quixelô, na cidade de mesmo nome, no Rio Faé, por exemplo, começou a transbordar na manhã desta quarta-feira (30). A sangria atraiu muitos moradores, desde cedo ( Foto: Honório Barbosa )
Juazeiro do Norte. O grande volume de chuva que era esperado para a segunda quinzena de março só chegou nos últimos dias do mês. De acordo com a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), as 7 horas de quarta-feira (29) às 7 horas de ontem, choveu em 167 dos 184 municípios cearenses. Todas as regiões do Estado foram atingidas pelas águas, com destaque para o Cariri que, pelo segundo dia consecutivo, obteve os maiores índices.
Apesar de seis cidades terem tido volumes acima dos 90 milímetros entre terça-feira e ontem, o mês terminou com chuvas abaixo da média histórica dos últimos 30 anos, que é de 203.4 milímetros. Segundo a Funceme, choveu em média, 135.3 mm, o que representa desvio negativo de 33,5%. A primeira quinzena de março já havia encerrado com desvio negativo de 58%, quando o órgão registrou 47 mm, frente à média histórica para aquele período, que é de 113 milímetros.
Na última década, somente em duas ocasiões o órgão verificou desvio positivo. Em 2008 choveu, neste mesmo período, 332.5 milímetros, totalizando 63,5% acima da média. No ano seguinte, o volume médio de março foi de 2,2% superior a média histórica. Os anos de 2012 (93.2 mm) e 2013 (78.4 mm) foram os que apresentaram maior desvio negativo nos últimos dez anos, com 54,2% e 61,4%, respectivamente.
O meteorologista da Funceme Davi Ferran explica que, apesar da média final para o mês ter apresentado desvio negativo, "a segunda quinzena de março foi bem mais chuvosa, em comparação com a primeira, como já esperávamos".
A diferença no volume de chuva dentro de um mesmo mês deve-se, segundo o meteorologista Raul Fritz, à atuação do El Ñino e ao distanciamento da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), principal sistema indutor de chuvas no Estado entre fevereiro e maio. "Quando a ZCIT está afastada do setor norte da região Nordeste do Brasil, as precipitações ficam impossibilitadas de ocorrer", complementou Fritz.
Se a previsão para as próximas 48 horas é de chuva em todas as regiões do Estado, o prognóstico para os próximos meses não é nada animador. O mesmo fenômeno (El Niño) que impediu a ocorrência de chuvas neste mês, deve atuar no próximo bimestre.
Segundo a Funceme, há 70% de probabilidades de o Estado ter chuvas na categoria abaixo da média em abril e maio. As chances de haver precipitações na categoria em torno da média é de 25%, e apenas 5% de probabilidade de chuvas acima da média.
Prejuízos
Sem chuva e com alguns reservatórios perto do volume morto, algumas localidades têm enfrentado severos problemas na economia. Na cidade de Salitre, na região do Cariri-Oeste, falta água para irrigar a lavoura, sobretudo de mandioca, principal fonte de renda dos aproximadamente 17 mil habitantes. As quase 200 casas de farinhas do município operam em baixa. O proprietário de uma dessas empresas afirma que a produção caiu cerca de 75% nos últimos anos.
"Por semana, produzíamos 80 mil quilos de farinha. Atualmente, esse número não passa de 20, 25 mil quilos", expõe Joelton José Alencar, 31. A diminuição da produção se reflete no número de empregados. A fábrica, que antes empregava 45 funcionários, hoje se mantém com 13 empregados fixos e outros 17 de acordo com a produção. "Se não tem mandioca para fazer a farinha, temos que cortar os funcionários", lamenta.
De acordo com a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Salitre, Luzinete Andrade, apenas 30% da população não sobrevive da cultura da mandioca. A área de plantio caiu pela metade, gerando "impactos negativos para toda a cidade".
"Salitre depende quase em sua totalidade da agricultura. Se nossa principal fonte de renda está comprometida, todos sofrem, principalmente o comércio", detalhou. Dos quatro mil agricultores atualmente sindicalizados, cerca de mil famílias dependem exclusivamente da roça de mandioca.
Comerciante há 21 anos, José Paiva lamenta a estiagem e diz que há muito tempo o comércio da cidade "está enfraquecido". "A crise aqui chegou muito antes dessa que têm se falado em outros estados. Há uns cinco ou seis anos não vendemos mais como antigamente. A conta é simples: se a mandioca está em baixa, a cidade toda fica em baixa", ponderou Paiva.
Plantio
De acordo com os dados da Funceme, 2005 foi o último ano em que choveu acima da média histórica do Município. Raul Fritz explica que "o relevo da cidade contribui para a escassez de chuva ainda pior que a enfrentada nas outras regiões do Estado". A escassez de chuva tem afetado plantações inteiras de arroz, feijão e mandioca e, consequentemente, o gado, que também fica sem alimento.
"Está tudo perdido. Nós, que dependemos da agricultura para sobreviver e sustentar nossos familiares, estamos sofrendo há anos. As chuvas não vêm e não temos outra forma de irrigar a plantação, o resultado é prejuízo atrás de prejuízo", lamenta o agricultor José Severino. Ao lado da sua roça, o também agricultor já contabiliza os prejuízos. "É mais um ano com quase tudo perdido. Plantei cerca de oito tarefas. Vou perder, por baixo, 70% da plantação. Tudo depende da chuva, que não chega. Para complementar a renda, buscamos outros bicos e contamos com o garantia safra", disse.
Os eventos de chuva, ainda que isolados, trazem um pouco de esperança aos sertanejos, conforme conta José Ires Pereira. "Quando chove, todos os agricultores correm para o campo para tentar salvar alguma coisa. A situação está difícil. A mandioca, que rende até um bom dinheiro, não está dando, então o jeito é plantar feijão para tentar ganhar alguma coisa". Fora a falta de água da chuva, eles enfrentam as pragas que consomem lavouras inteiras. "A chuva além de deixar a terra molhada, derruba e mata as lagartas que comem tudo que vêm pela frente", acrescenta Severino.
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