segunda-feira, 17 de julho de 2017

Recentes confusões mostram fragilidade da estrutura de liderança de partidos locais

Danilo Forte
Imbróglios internos recentes, envolvendo siglas como PMB e PSB no Ceará, trouxeram à tona a fragilidade de comissões provisórias que comandam estes e outros partidos em âmbito estadual – em muitos casos, de forma nem tão provisória assim. Hoje, metade dos diretórios estaduais das legendas partidárias com representação no Ceará é composta por comissões provisórias indicadas pelas direções nacionais dos partidos, algumas sem prazo de término, outras com existência que já dura dez anos. O instrumento, então, acaba perdendo o caráter de provisoriedade original e, na avaliação de analistas políticos e jurídicos, impacta negativamente a democracia partidária, fortalecendo a influência de caciques políticos que centralizam decisões e ditam os rumos das agremiações.
Levantamento feito pelo Diário do Nordeste a partir de informações disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta que, das 35 legendas que atualmente são registradas na Justiça Eleitoral, 32 têm representação no Ceará. Destas, 16 possuem diretórios definitivos, eleitos internamente, enquanto a outra metade funciona com comissões provisórias. Criadas sob a justificativa de estruturação temporária de algumas siglas ou mesmo para que as cúpulas partidárias possam intervir em casos de descumprimento dos estatutos, elas evidenciam outras finalidades quando perpetuadas nos partidos. 
As situações são várias: presidida pela ex-prefeita de Tauá, Patrícia Aguiar, a comissão provisória do PMB, por exemplo, teve vigência iniciada no último dia 4 de julho e terá vida útil – e legal – de apenas 16 dias, com validade até 20 de julho. Já no PR, que tem como presidente estadual o ex-governador Lúcio Alcântara, a comissão provisória foi instituída no dia 26 de março de 2007 e tem duração indeterminada, ou seja, sem prazo para que um diretório seja eleito pelos próprios filiados.
O cenário se repete em outras 14 siglas no Ceará: DEM, PCB, PHS, Podemos, PRB, PROS, PRP, PRTB, PSB, PSC, PSD, PSDC, PSL e PTB. Por outro lado, têm órgãos definitivos no Estado PCdoB, PDT, PEN, PMDB, PMN, PP, PPL, PPS, PSDB, PSOL, PSTU, PT, PTC, PV, Rede e SD. Já o Partido Novo, o PCO e o PTdoB não possuem estrutura instituída em âmbito estadual.
Consequência da vigência duradoura de comissões provisórias é o poder das direções nacionais sobre questões que caberiam aos diretórios estaduais. No PMB, onde Patrícia Aguiar teve decisões questionadas na Assembleia Legislativa pela expiração da vigência da comissão provisória, que não lhe daria mais o direito de dar orientações aos filiados, foi preciso recorrer à presidente nacional da sigla, Suêd Haidar, para que o órgão fosse restabelecido e as determinações passassem a ter validade legal. O PSB, por sua vez, passou por recente mudança no comando do partido no Ceará após o ex-presidente estadual, o deputado federal Danilo Forte, descumprir orientação da direção nacional da sigla e votar a favor da reforma trabalhista na Câmara dos Deputados. Logo foi destituído do posto e o comando da legenda foi entregue a Odorico Monteiro, recém-chegado à sigla pessebista. A comissão foi dissolvida antes do término da vigência por decisão da direção nacional.
O cientista político Josênio Parente, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), observa que a problemática está inserida em um contexto mais amplo. Isso porque, segundo ele, a fragilidade das comissões provisórias reflete, na verdade, a ausência de consolidação de partidos políticos no Brasil, que vivem um descolamento de representação em relação à sociedade civil. A partir do momento em que as comissões provisórias também passam a ser utilizadas pro lideranças partidárias para impor suas vontades sobre as agremiações, o cientista político avalia que a democracia interna das legendas também é afetada. “Quando o nosso sistema partidário tem facções, os partidos se tornam fracos, então você não evita, de certa forma, a formação de oligarquias dentro de uma organização”, afirma.
Análise semelhante faz o advogado Rafael Mota Reis, presidente da Comissão de Ética na Política da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE). Ele ressalta que a Constituição Federal resguarda que os partidos políticos têm a capacidade de se auto-reger, mas expõe que, “na grande maioria das vezes”, as diretorias nacionais acabam utilizando as comissões provisórias como forma de manter o controle das siglas nos estados e nos municípios. Nas palavras do advogado, isso fica evidente, por exemplo, em situações de fechamento de questão de partidos em que, muitas vezes, filiados, delegados e nem mesmo as bancadas nas Casas Legislativas são consultados. 
“Qual é o principal problema disso aí? A Constituição previu os partidos como uma maneira de adentrar na política de forma democrática. Com o uso indiscriminado das comissões, a própria democracia interna é fragilizada. Viram grupos de propriedade de caciques políticos”, declara. Assim, diz o advogado, algumas legendas são convertidas, na prática, em “partidos de aluguel”, que existem para negociatas eleitorais e favorecimento pessoal.
Em âmbito municipal, a existência de partidos funcionando com comissões provisórias é ainda mais expressiva. Rafael Mota Reis estima que, no Ceará, a quantidade “poderia chegar a 90% das comissões nos municípios serem provisórias”, inclusive de partidos maiores, como PMDB e PSDB. Segundo ele, há maior democracia interna naquelas siglas “notadamente de esquerda”. “É uma questão endêmica que se instalou no nosso País e não acredito que, num curto espaço de tempo, isso venha a mudar. Não enquanto não houver alteração da Lei dos Partidos que obrigue uma maior democracia intrapartidária”.
Em alguns partidos no Ceará, as comissões provisórias, em determinados casos, são prolongadas por decisões da direção nacional; em outros, por inércia das próprias siglas em âmbito estadual. No PSD, por exemplo, o deputado federal Domingos Neto, que preside a comissão provisória do partido instituída em julho de 2015, diz que, desde o ano passado, a direção nacional autorizou a realização de eleições internas para a instalação de um diretório fixo no Ceará, o que ainda não ocorreu, segundo ele, porque o partido tem direcionado as atenções locais a questões como a extinção do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) e outras. “Vamos fazer logo, logo. É o único estado do Brasil onde o PSD não tem diretório”. 
Segundo Domingos Neto, a escolha do diretório estadual da sigla deve ocorrer ainda neste segundo semestre. “Além da estadual, nós vamos iniciar uma campanha de diretórios municipais, inclusive, o partido está tentando fechar até o final do ano com 20% dos seus municípios com diretório. É uma meta nacional que vamos trazer para o Ceará”, adianta.
Diferentemente do PSD, o PR possui comissões provisórias em todos os estados brasileiros. O ex-governador Lúcio Alcântara, que presidente o partido no Ceará provisoriamente desde 2007, salienta que é a favor da instalação de diretórios definitivos, mas admite que a convocação de convenções depende do diretório nacional. “É uma situação de muita instabilidade que não pode prevalecer eternamente”, afirma ele, acrescentando que “não há dúvida” de que as comissões provisórias são uma forma de controle dos partidos pelas direções nacionais.
O ex-governador pondera, no entanto, que nos dez anos de comissão provisória no Ceará o PR não foi “constrangido” em nenhuma ocasião pela direção nacional. “Até aqui, nós não tivemos nenhum constrangimento, nenhuma imposição da direção nacional. Trabalhamos e decidimos de acordo com a liderança nacional, mas em função das lideranças do partido aqui. Não se deixa de o poder real estar com o diretório nacional, que pode dissolver a qualquer hora a comissão, mas até o momento, para ser justo, não tivemos nenhum tipo de pressão”.
Lúcio acredita, ainda, que uma resolução publicada pelo Tribunal Superior Eleitoral com um prazo para que as comissões provisórias sejam extintas pelos partidos deve ser cumprida pelas legendas. Após adiamentos, uma alteração da Resolução do TSE nª 19.406/1995, que trata das instruções para fundação, organização, funcionamento e extinção de partidos políticos, estabeleceu que os partidos têm até o próximo dia 3 de agosto para extinguir as comissões provisórias. O prazo, que encerraria em março, foi adiado por 150 dias em decisão unânime do Plenário do TSE em fevereiro. O assunto já havia sido destacado pela ex-ministra da Corte Eleitoral, Luciana Lóssio, em entrevista ao Diário do Nordeste em maio deste ano.
“O Tribunal Superior Eleitoral também está caminhando no sentido de impor a observância da democracia internamente nos partidos políticos. Nós temos uma resolução, que vai entrar em vigor agora em agosto de 2017, trazendo uma penalidade para aqueles partidos que não constituíram os seus diretórios regionais ou municipais. Porque muitos partidos criam comissões provisórias que se eternizam, então nós editamos uma resolução que trata sobre a criação dos partidos e explicitamos que essas comissões têm um prazo de 120 dias. Se não se transformarem em diretórios, elas serão extintas após esse prazo de 120, de modo que este é um passo muito importante também”, mencionou a jurista, na ocasião. Para além da resolução do TSE, o deputado federal Domingos Neto lembra que há um projeto de lei em tramitação no Senado tratando da questão, que também tem sido discutida no contexto de uma reforma política no Congresso Nacional.
Ao avaliar a fiscalização da Corte Eleitoral em relação às comissões provisórias, o advogado Rafael Mota Reis, por sua vez, aponta que o TSE “só pode ir até onde a resolução permite”. “Dificilmente pode entrar numa seara muito profunda do partido, pode instituir prazo para as comissões provisórias. Por outro lado, tem também uma dificuldade grande na Justiça Leitoral porque, como seus julgadores são compostos por mandatos, a cada mudança temos cabeças diferentes que às vezes mudam completamente o posicionamento da Corte”, diz.
Num contexto de reforma política, porém, ele crê que a discussão sobre comissões provisórias poderia resultar em uma alteração na Lei dos Partidos Políticos se houvesse “pressão popular e pressão da mídia, afinal de contas a gente tem visto que isso tem pautado um pouco a agenda legislativa”. “Um segundo ponto é que a grande parte da bancada do Congresso Nacional é feita do PMDB, PSDB e PT, e esses partidos, talvez na totalidade dos estados, já são diretórios constituídos. Ou seja, não alteraria o jogo político para eles. A gente sabe que é mais difícil mexer o jogo político quando está mexendo no poder. Como não mudaria para os grandes partidos e os caciques que já estão instalados, seria possível”.

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