domingo, 6 de agosto de 2017

Competição medieval ocorre no CE

Ganha o cavaleiro que acertar a flecha no arco até a última rodada Fotos: Alex Pimentel Com o passar do tempo, foram ocorrendo mudanças e se tornando mais simples, sem muitas exigências, mas, uma coisa é certa, para disputar, o cavaleiro precisa ter o seu par, pois é um esporte em equipe
00:00 · 05.08.2017 por Alex Pimentel - Colaborador
Quixadá. O desafio é simples, pelo menos para quem sabe cavalgar e ao mesmo tempo tem habilidade com as mãos para flechar duas argolas com 10 centímetros de diâmetro cada. Para participar da cavalhada, como esse esporte é conhecido pelo sertanejo cearense, basta apenas ter um bom cavalo e disposição para continuar na disputa o dia todo, se for preciso. A competição se encerra quando o último cavaleiro concorrente é eliminado por não conseguir acertar as argolas com a flecha de madeira, única arma utilizada por todos, ou deixa-las cair no chão.
Cedinho, quando o sol está nascendo, os organizadores começam a preparar a arena; montam duas traves e prendem as argolas no arame esticado de um lado ao outro. Os dois anéis ficam dependurados no centro. O cavaleiro parte em disparada de uma extensão de 100 metros, flecha a argolas e ainda precisa evitar cruzar a faixa de limite da pista com o seu animal, senão é desclassificado. Em seguida retorna ao argoleiro e entrega os alvos. Para evitar trapaças a mesma flecha é passada para o cavaleiro concorrente. Dai em diante, é torcer para os opositores fracassarem.
Décadas
Embora pouco divulgada no Estado do Ceará, a cavalhada é praticada no sertão do Ceará há décadas. No distrito de São João dos Queiroz, na zona rural de Quixadá, é realizada desde o surgimento do povoado. Há 30 anos sempre no fim do mês de julho, foi incluída como modalidade olímpica dos jogos realizados por esta comunidade, distante 30Km do Centro de Quixadá. Percebe-se o interesse pelo número de cavaleiros inscritos, chegando até de cidades vizinhas, formando mais de 15 duplas, e pelo público na torcida.
Quem participa da brincadeira desde a adolescência, como o cavaleiro Miguel Patrício Neto, nascido e criado em São João dos Queiroz, explica ser uma prática mais comum do que muita gente imagina. Noutras localidades da região, como Juatama, também em Quixadá, a cavalhada já é tradição. Com o passar do tempo, foram ocorrendo mudanças e se tornando mais simples, sem muitas exigências, mas, uma coisa é certa, para disputar, o cavaleiro precisa ter o seu par. "É um esporte em equipe", acrescenta Miguel. Esse hábito, Miguel Patrício, 48; e Abraão Barbosa, 23, da Fazenda Tesouras, em Ibaretama, adquiriram dos pais e assim vai se mantendo, de geração em geração. Entretanto, mesmo não sendo um esporte muito arriscado, os adolescentes não podem participar. O acidente mais comum, a queda da montaria, pode até matar. Por isso, quem organiza o embate, prefere não arriscar muito.
Mulheres também participam, como a cavaleira Nádia Pompeu Carneiro. Apaixonada por cavalos e por atividades saudáveis, se inscreveu. Ela já havia visto os cavaleiros se enfrentarem. Segura na montaria e confiante no seu animal, restava apenas concorrer, e nem foi preciso treinar. A cada rodada, se sentia mais confiante e foi até aplaudida pelo público.
Agora, ela pretende participar da próxima cavalhada na região. Será realizada no fim do ano, em Juatama. Ouviu falar ser a mais concorrida, mas aprendeu que a paciência é a principal estratégia para vencer a competição e, essa virtude, o sexo feminino têm de sobra. Ela foi a primeira mulher a participar da cavalhada de São João dos Queiroz.
Entretanto, nem a cavaleira e nem os cavaleiros conhecem as origens da cavalhada. Sabem apenas do surgimento do costume na região, trazido pelos vaqueiros. Para eles, o ritual é apenas um esporte, mas, perguntados se notavam alguma semelhança com as lutas mediáveis, na Idade Média, quando cavaleiros, de armaduras, se enfrentavam utilizando lanças, logo associaram à pratica milenar.
Buscando as origens
À frente da secretaria de Cultura, Esporte de Juventude de Quixadá há pouco mais de seis meses, o professor Audênio Moraes pretende realizar uma minuciosa pesquisa sobre as cavalhadas e auxiliar os organizadores e praticantes na preservação dessa cultura. O objetivo é evitar as mutações realizadas na modernidade pelo interesse pessoal, vez que, no Município, são geralmente eventos particulares, até então sem apoio institucional.
A cavalhada de Juatama é um exemplo. Começou a ser realizada nesta comunidade rural de Quixadá na década de 1990. A iniciativa partiu do professor, ex-senador e fazendeiro Flávio Torres, como uma forma de manter os laços com a colonização destas terras, seus costumes. Inclusive, era sempre realizada no Dia da Independência, 7 de setembro. Passadas quase três décadas, a data vai mudar, em razão das obras na arena. Mudou de lugar e está recebendo uma nova estrutura. Outra família passou a organizar o evento, explicou o secretário.
O interesse de Audênio Moraes faz sentido. Os folcloristas consideram mudanças nos folguedos, de uma região para outra do País com naturalidade, como ocorre na dança de São Gonçalo, no Bumba Meu Boi, nos reisados, nos pastoris. Com a cavalhada não é diferente.
Messias
Ainda no Nordeste, Messias, um município de Alagoas, é prova dessa transformação. Nessa cidade, distante 30Km da capital, Maceió, os cavaleiros se dividem em dois grupos, o azul e o vermelho, simbolizando os mouros e os cristãos nas batalhas medievais. Vestem blusas de cetim em uma das cores e calças brancas.
Ao invés de flechas, usam lanças. Os cavaleiros participam, inclusive, de encontros estaduais. De acordo com a Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Messias, neste ano, a competição será realizada.

Fique por dentro

Conheça a origem da celebração
Segundo historiadores, a Cavalhada é uma celebração portuguesa tradicional, que teve origem nos torneios medievais, onde os aristocratas exibiam a sua destreza e valentia em espetáculos públicos. Esses torneios serviam como exercício militar nos intervalos das guerras, onde nobres e guerreiros se enfrentavam cultuando a galanteria entre eles. Também estão associadas às batalhas entre cristãos, na figura de Carlos Magno e seus cavaleiros, transformados em cruzados e enviados em luta contra os mouros na Península Ibérica.
Depois de terem conquistado Jerusalém, no ano 1099, os cavaleiros cristãos, na época da primeira cruzada, dividiram a região da Terra Santa em diversos reinos. Eles conseguiram firmar-se lá por dois séculos, explorando a fraqueza e os desacertos entre os maometanos. Essa situação durou até um chefe curdo, Saladino, conseguir liderar o povo do Crescente para expulsá-los. A partir dele, os dias de posse da cristandade de um pedaço da terra sagrada se encerraram.

Enquete

O que você acha da cavalhada?
"Quem tem sangue de cavaleiro costuma aceitar qualquer desafio com o seu animal. A cavalhada é um deles. É preciso saber dominar o bicho e também a mão para alcançar o seu objetivo"
Miguel Patrício Neto. Cavaleiro
"Gosto muito de animais e poder participar de momentos de diversão com eles é muito agradável, principalmente quando participamos de um desafio saudável e sem riscos para ambos"
Nádia Pompeu Carneiro. Cavaleira
"Ainda criança eu via meu pai montando e disputando a pega das argolas. Quando a gente cresce, percebe que, além de manter essa tradição é uma disputa séria, que exige habilidade"
Abraão Barbosa. Cavaleiro

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