segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Relação entre poderes desgasta Legislativo

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Para cientistas políticos, o comportamento da maioria dos deputados federais durante votação da denúncia criminal contra Temer, no dia 2 de agosto, reflete uma imagem "descompromissada" do Legislativo em meio à crise ( Foto: Agência Câmara )
Na fisiológica relação entre o Executivo e o Legislativo, há quem diga que ambos os lados saíram ganhando com o fim da votação da denúncia criminal por corrupção passiva contra o presidente Michel Temer (PMDB), no último dia 2 deste mês, mas outros defendem que, se por um lado, o resultado que culminou no arquivamento da acusação foi uma vitória para o Palácio do Planalto, por outro, teve efeito contrário à Câmara dos Deputados.
Para cientistas políticos entrevistados pelo Diário do Nordeste, o comportamento da maioria dos parlamentares na votação televisionada agrava o desgaste da instituição sem dar perspectiva da moralização que pautou discursos dos próprios deputados federais. Outros analisam que a votação explicitou uma "solidariedade" entre os poderes no cenário em que ambos têm legitimidade comprometida a partir da Operação Lava-Jato.
Na contramão de pesquisa Ibope que revelou, às vésperas da sessão do dia 2 de agosto, que 81% dos eleitores eram a favor da abertura de processo criminal contra Michel Temer no Supremo Tribunal Federal (STF), a partir da denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), 263 votos dentre os 493 parlamentares presentes à votação em plenário livraram o peemedebista da investigação durante o mandato. Na balança de alguns aliados do governo, ao proferirem votos em rede nacional, a necessidade de garantir "estabilidade" ao País para a aprovação de reformas, como a Previdenciária e a Tributária, pesou mais do que a acusação de crime de corrupção contra o maior mandatário da República.
Descrédito
Para o cientista político Edir Veiga Siqueira, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), a vitória do governo na votação leva o Parlamento "ao fundo do poço". "Essa instituição, que é um dos pilares da democracia, está na contramão da vontade popular, e o descrédito se ampliou profundamente. A população já acha que os deputados não fazem nada e, a partir desse comportamento, acaba tendo verdadeiro desprezo pelo Parlamento. Eles estão muito mais preocupados pensando na reeleição, em buscar as emendas, pensando em si, e estão apostando que, com o sistema eleitoral brasileiro de lista aberta, a máquina vai funcionar normalmente e vão ser reeleitos", analisa.
Cenas que ganharam repercussão durante a sessão, fosse em momentos de embates quase físicos entre deputados ou até mesmo no flagra de um parlamentar enviando mensagens de cunho erótico pelo celular enquanto o plenário discutia a denúncia, também refletem, na avaliação do cientista político, "imagem descompromissada" do Parlamento.
"Estava se discutindo a possibilidade de processar um presidente e os caras estavam brigando. Isso registra muito do que a população está enxergando hoje. São momentos muito ruins e tristes para quem estuda a política, para quem entende que o Parlamento é uma instituição absolutamente central na democracia, e demonstram como esses cidadãos, representantes populares, estão brincando com coisa séria", critica.
O sociólogo e historiador Rui Martinho, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), por sua vez, considera que a votação que livrou o presidente da denúncia criminal da PGR reflete "uma solidariedade" entre o Executivo e o Legislativo, uma vez que ambos são afetados pelas investigações da Lava-Jato. Assim, com legitimidade comprometida, o que restaria aos dois poderes é trabalhar em prol de um "conjunto de reformas" que permitam uma recuperação econômica do País.
"É uma aposta tanto do Executivo quanto em grande parte do Legislativo esse conjunto de reformas, para dizerem: 'tem acusações contra nós, estamos sem popularidade, mas estamos recuperando a economia'", avalia. "É um ponto de convergência talvez até maior do que a tradicional política fisiológica, de liberar emendas, fazer pagamentos, até porque as emendas deveriam ser liberadas porque são um orçamento impositivo", acrescenta. Para Martinho, foi determinante para o resultado da votação um pensamento, entre deputados, de que "os dois se salvam juntos ou todos perecem juntos".
A cientista política Sônia Fleury, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), faz avaliação diferente. Segundo ela, a votação da denúncia contra Temer representou, para parlamentares que deram votos a favor do peemedebista, a possibilidade de aumentar capital político em suas bases eleitorais a partir da liberação de recursos às vésperas da sessão do último dia 2. "Houve uma enorme negociação ali e uma precificação de quanto valia cada um", afirma.
Com a distribuição de benesses, diz ela, deputados poderiam apostar que, "embora a população esteja contra Temer, votaria neles novamente". "Já para a política, não só para o Parlamento, para o Executivo, para a política como um todo, acho que é um desencanto enorme da população, já que estes representantes não representam nada além dos próprios interesses, e isso se reflete no cotidiano", completa. Sônia Fleury alerta que, quando a política não cumpre o papel de mediação social, abre-se espaço, inclusive, para um "aumento da violência" na sociedade.
Declarações
Ao comparar a postura de alguns deputados na votação de 2 de agosto com a sessão do dia 17 de abril de 2016, quando a mesma Câmara aprovou a admissibilidade do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), Rui Martinho, da UFC, por sua vez, pontua que críticas a declarações "insólitas" na votação do impedimento sensibilizaram o Parlamento desta vez.
"Além disso, o momento político e emocional do País é outro. O País não vive mais aquela expectativa de desfecho e vejo certa desmobilização política da sociedade. A população viu que os partidos não se diferenciam quanto à ética. A ideia é que todos estão nivelados por baixo, o que exclui alguns parlamentares que têm conduta respeitável".
Durante a votação, aliás, deputados favoráveis à autorização das investigações contra o peemedebista expuseram, em pronunciamentos, um sentimento de vergonha em relação ao Parlamento. Ao votar, o cearense André Figueiredo (PDT), por exemplo, classificou a Câmara como "vergonhódromo". Rui Martinho, porém, salienta que aquela é uma Casa política e, portanto, os discursos moralistas dizem respeito, sobretudo, ao eleitorado, a depender da "disputa de situação".
Edir Veiga Siqueira, por outro lado, aponta que, enquanto o governo Temer deve "ficar vegetando nos próximos meses", a atual legislatura no Parlamento vai se "autoconsumir". "O Parlamento, que deveria ser uma instituição que busca saídas para um momento de crise aguda, está muito voltado para questões mais fisiológicas", coloca.
Já Sônia Fleury diz que "os que tiveram um pouco de vergonha do que estava acontecendo (na votação) são minoria", portanto não vê perspectivas de moralização a partir de uma mudança que parta da própria Câmara. Para ela, apenas uma Reforma Política que contemplasse maior participação popular poderia apontar para melhorias na qualidade de representação no Parlamento brasileiro.
Desafios
Enquanto a Reforma discutida no Congresso não parece dar conta disso, porém, na lista de desafios do governo, agora, estão a recuperação da unidade da base aliada, de modo a conseguir votos para a aprovação da Reforma da Previdência e o envio da Reforma Tributária para o Legislativo, além da busca por estabilidade diante da possibilidade de novas denúncias serem apresentadas pela PGR.
Já para o Parlamento, projeta Rui Martinho, a investida por legitimidade quanto às reformas do governo deve dividir espaço com temas que "sensibilizem o eleitorado". "Talvez tenham que deslocar os discursos do problema fiscal para alguns problemas que sensibilizam mais a sociedade", cita ele, a exemplo de segurança pública e "privilégios" do funcionalismo público.

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