terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Pautas conservadoras viram aposta eleitoral

Audiência pública, realizada na AL em 2 de outubro, reuniu a deputada estadual Silvana Oliveira (PMDB), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSC-RJ) e vereadores da Capital favoráveis ao projeto chamado de "escola sem partido" ( Foto: José Leomar )
01:00 · 26.12.2017 por William Santos - Editor assistente
O fenômeno não é novo, mas tem ganhado espaço nos parlamentos brasileiros: semana após semana, o noticiário político estampa pronunciamentos e propostas de parlamentares ligados a alas conservadoras que envolvem expressões como "escola sem partido" e "ideologia de gênero", sem mencionar recentes manifestações de restrições a expressões artísticas e até mesmo declarações de alusão à ditadura militar no País.
Das câmaras municipais à Câmara Federal, das Assembleias Legislativas ao Senado, uma pergunta motiva diferentes reflexões: o que explica a adesão cada vez maior de parlamentares a pautas inclinadas a pensamentos conservadores? Junto a ela, o que este movimento nos espaços de poder indica sobre uma parcela da população brasileira que encontra nestes políticos os seus representantes?
Para respondê-las, o Diário do Nordeste buscou sociólogos e cientistas políticos, que apontam aspectos históricos do conservadorismo na sociedade brasileira, mas observam que, no atual cenário de crise política, o envolvimento de representantes ligados a alas progressistas em casos de corrupção deixou um vazio que tem sido ocupado por grupos conservadores.
Eles dividem-se, porém, sobre a pertinência de determinadas discussões nos parlamentos. Para alguns, o discurso conservador é demagógico e pouco propositivo, já que decorre de interesses eleitorais e deixa pautas consideradas essenciais, como Saúde, Educação e Segurança Pública, em segundo plano. Outros defendem que tais debates devem ter espaço no Legislativo, que não tem papel apenas de legislador, mas é também um espaço de estabelecimento de consensos em discussões.
Bancadas
As últimas eleições têm mostrado o crescimento de bancadas ligadas à religião, à segurança pública e ao agronegócio nos parlamentos. Além de nomes já conhecidos do eleitorado, partidos de direita têm garantido cadeiras a novatos eleitos a partir de bandeiras conservadoras.
Em São Paulo, por exemplo, o Movimento Brasil Livre (MBL), que ganhou visibilidade na esteira de manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) denominando-se apartidário, elegeu Fernando Holliday, pelo DEM, o vereador mais jovem da Câmara Municipal paulistana. Fortaleza viu, em 2016, fenômeno semelhante acontecer, ao eleger vereadores neófitos como Jorge Pinheiro (PSDC) e Priscila Costa (PRTB), cujas bandeiras de campanha versavam sobre a valorização da família e da religião.
Dois anos antes, em 2014, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) classificou o Congresso Nacional eleito para a atual legislatura como o mais conservador do País desde o ano de 1964. Nos últimos meses, enquanto a deputada Silvana Oliveira (PMDB) chegou a propor, na Assembleia Legislativa cearense, a criação de uma Frente Parlamentar contra a ideologia de gênero, apoiada por outros deputados, a Assembleia do Espírito Santo aprovou em outubro, após polêmicas envolvendo episódios de censura a exposições em museus, um projeto de lei que proíbe exposições com nudez e obras de "teor pornográfico" em espaços públicos do Estado. O autor da proposta, Euclério Sampaio (PDT), afirmou que a medida busca promover o "bem-estar das famílias do Espírito Santo".
Mundial
Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), o sociólogo Paulo Silvino Ribeiro ressalta que o movimento não é exclusivo do Brasil - provas disso são a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e o Brexit, no Reino Unido -, tampouco é novo, já que o conservadorismo está imbricado à formação da sociedade brasileira. No atual cenário político, porém, ele encontra espaço diante da degradação de uma parcela da classe política, envolvida em escândalos de corrupção.
"O imaginário social, onde mora a moral, diante de tantos casos de corrupção, acaba sendo instigado a ter um discurso de natureza moralista e conservadora, com a expectativa de que todo o mal da política e da sociedade seria extirpado com certo recrudescimento de um discurso mais duro", observa. "Aqueles mais moralistas, no desejo de vilipendiar a esquerda ou o discurso menos conservador, estimulam o discurso de ódio, moralista, evidentemente pensando naquilo que diz respeito às próximas eleições", aponta.
Avaliação semelhante faz o cientista político Vitor Amorim de Ângelo, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Vila Velha (UVV), no Espírito Santo. Para ele, após as eleições de 2014, já era esperado que o Congresso aderisse a pautas mais inclinadas ao conservadorismo, uma vez que a presença desses discursos nos parlamentos reflete o quanto a sociedade brasileira é conservadora.
"Na média, a nossa sociedade sempre foi conservadora. Há alguns aspectos pontuais, que vou chamar de progressistas, que aparecem como uma coisa banal: a nudez no Carnaval não tem nada de conservadora, ou programas de televisão com cenas incompatíveis a horários inapropriados. Alguns aspectos pontuais ligados à cultura brasileira são quase que naturalizados, mas, na média ligada a várias questões sociais, o conservadorismo é uma coisa presente e não é de hoje", resgata.
Ele tem notado no atual cenário, contudo, um "desvergonhamento" de políticos ao tratarem de determinados temas, em um movimento de ousadia guiado por cálculos eleitorais. No caso do projeto de lei que restringiu exposições com nudez no Espírito Santo, Amorim cita, por exemplo, que apenas um dos 30 deputados estaduais da Assembleia se opôs à proposta. "Incluímos aí, nos outros 29, dois deputados do PT, dois do PSB, um da Rede. Tem uma bancada um pouco mais para a esquerda que está se calando, com medo de que isso possa repercutir negativamente numa eventual reeleição".
Já o cientista político Edir Veiga Siqueira, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), observa que, "no momento em que a corrupção está assolando o País", o discurso do conservadorismo moral tem sido "uma excelente ferramenta de propaganda política", sem, entretanto, ter necessariamente desdobramentos práticos.
"A produção legislativa desses parlamentares é próxima de zero. Portanto, não passa de demagogia levantando bandeiras conservadoras. O Parlamento brasileiro, seja nas Assembleias ou no Congresso, sempre foi mais alinhado à direita, e a ferramenta política que essas bancadas estão encontrando para buscar ressonância eleitoral é um conservadorismo medieval".
Aliado a isso, diz o cientista político, há um "vazio político" deixado pelo pensamento progressista no Brasil, especialmente após o desgaste que atingiu a esquerda com as investigações do Mensalão e da Operação Lava-Jato. "O grande desserviço que o PT deixou ao Brasil foi deixar um vazio de esperança no pensamento progressista", aponta. "É nesse vazio onde os setores progressistas perdem apoio".
Edir Veiga Siqueira questiona, entretanto, se é papel do Legislativo abrigar debates sobre questões de ordem teológica ou moral, uma vez que, para ele, tais discussões têm deixado outros temas da agenda política em segundo plano. "O papel do Parlamento é discutir os grandes temas nacionais da política. Esses temas moralistas só entram em pauta quando você tem uma bancada religiosa e conservadora muito forte e um presidente que precisa de votos para se manter no cargo", avalia.
Já Paulo Silvino Ribeiro destaca que, se pautas conservadoras ganham espaço nos parlamentos, é porque o Congresso reflete a sociedade brasileira. "Agora, ao dizer se o que eles estão discutindo é importante ou não, tem uma coisa anterior: independentemente da pauta, o que essa pauta tem de espírito republicano, democrático? Como essa pauta não está negando uma parte da sociedade em detrimento de outra? Como as pautas dentro do Congresso Nacional possuem uma natureza democrática?", reflete. Segundo ele, minorias políticas, como mulheres, negros e pessoas LGBTs, dentro de uma perspectiva "moralista", não têm voz.
Eleições 2018
Vitor Amorim de Ângelo, por sua vez, pondera que há variadas perspectivas sobre a questão, já que, enquanto alguns concordam que caberia aos parlamentos formular leis que deem ao Estado a possibilidade de intervir em comportamentos ligados ao consumo de bens culturais ou mesmo em políticas de Educação, outros têm concepção diferente do papel do Estado. "Teria que ir caso a caso, mas não acho que esses são temas que deveriam ficar limitados a espaços não legislativos".
Ao traçar perspectivas para 2018, o cientista político da UVV lembra, por exemplo, que discursos conservadores já garantiram êxito eleitoral aos atuais prefeitos de São Paulo, João Doria, e do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, em 2016. Nacionalmente, contudo, ele ressalta que o cenário é mais complexo e heterogêneo, portanto dificulta previsões. Paulo Silvino Ribeiro, por outro lado, diz não vislumbrar, até agora, organização progressista que faça frente a mobilizações conservadoras. "Acho que a esquerda está pulverizada e não vejo, a médio e longo prazos, uma união dela", considera.

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