sábado, 17 de março de 2018

Esperanças do homem do campo estão depositadas em São José


Iguatu. O sertanejo cearense se fortaleceu na fé. Há séculos. A religiosidade do homem e da mulher do campo remonta à colonização com a sua herança católica, advinda de Portugal, que aqui ganhou contornos próprios de uma expressão ora mística, ora popular, quase sempre fugindo da imposição oficial da Igreja. A fé nos santos é um exemplo. E São José, padroeiro do Ceará, é um dos mais venerados no Interior cearense.
No Estado, em 19 paróquias e em centenas de capelas em vilas rurais e áreas urbanas, os devotos rezam e cantam, participando de novenários, caminhadas, missas, ofícios e louvores dedicados a São José, cuja data se comemora com feriado estadual na próxima segunda-feira, 19. Os católicos renovam preces, fazem novos pedidos e agradecem às graças alcançadas.
"São José é um dos santos mais populares", observa o monsenhor Afonso Queiroga. "É o patriarca da Igreja, é o exemplo de obediência, é o pai adotivo de Jesus Cristo". A fé fez com que os bispos dom José Mauro Ramalho e dom José Doth de Oliveira oficializassem São José como padroeiro da Diocese de Iguatu em substituição a Senhora Sant'Ana. Doth edificou a catedral dedicada ao santo, que lhes dá o nome de batismo.
Chuva
Quando os anos ficam escassos de água, aumentam as preces e o sertanejo fortalece a sua fé, apelando para o pai adotivo de Jesus Cristo. Há uma relação entre São José e as chuvas no Ceará. Em período de estiagem, a data dedicada ao santo é considerada o limite. "Se não chover até o Dia de São José, o sertanejo perde a esperança no inverno", observa o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iguatu, Evanilson Saraiva. "Outros já acreditam que, chovendo no dia 19, o inverno está garantido".
Monsenhor Queiroga separa a ocorrência de seca e de chuva da vontade dos santos e de Deus. "Há um forte sentimento de religiosidade popular entre os católicos, os sertanejos, que precisa ser compreendido e respeitado", frisou. "Os mistérios de Deus, entretanto, são incompreensíveis e cada devoto carrega a sua fé, a sua experiência particular".
A série histórica mostra que março é o mês que se registra maior pluviometria no Ceará durante a quadra chuvosa (fevereiro a maio). A ocorrência do Equinócio em março (20/21), quando dia e noite tem igual duração por causa da passagem do sol sob a linha do Equador, marca a mudança de estação - o início da Primavera no Hemisfério Norte e do Outono no Hemisfério Sul.
Esse fenômeno natural pode influenciar a ocorrência de chuva e pode ter contribuindo para alimentar a fé sertaneja dada a proximidade do dia dedicado a São José (19).
Ciência à parte, os devotos não se cansam de rezar e renovar preces a São José. E um dos maiores pedidos é para ocorrência de chuvas. Os próprios padres alimentam durante os novenários essa crença popular. Afinal, os celebrantes lembram das dificuldades no campo, dos anos secos, da falta de chuva e pedem oração para a retomada do inverno.
Um exemplo de devoção firme a São José vem da localidade de Baú, na zona rural do Ceará. Os católicos do lugar festejam o santo há 122 anos. A fé é tão grande que as novenas se prolongam por todo este mês de março, na capelinha dedicado ao santo na comunidade. "Na verdade, temos um trinário, 30 dias, e não novenário, nove dias", observa o veterinário e animador da festa, Mauro Nogueira.
No próximo dia 19, será celebrada missa campal, sob a sombra de um fícus-benjamim, ao lado da capela centenária, pela manhã, atraindo devotos dos sítios vizinhos. É dia de festa na comunidade.
Cada devoção tem uma história de fé. No sítio Baú, nasceu da experiência de um agricultor, mas por razão particular, que diferencia dos pedidos por um bom inverno. Em 1896, o agricultor José Alves de Oliveira, fiel às tradições da religiosidade popular, em um momento de muita aflição, por ocasião do nascimento de um dos seus filhos, fez promessa e, com a graça alcançada, ergueu a capela e dedicou o templo a São José.
A neta, Zenalda Alves de Oliveira, conta que a avó, Clara Alves de Oliveira, enfrentava um parto difícil, sem possibilidade de sucesso e risco de morte para a mãe e a criança. "Naquele tempo não havia recursos de medicina, presença de médicos e os partos eram feitos por parteiras", lembra. "Depois de ver esgotado todos os meios, num ato de fé e de confiança, meu avô invocou a intercessão de São José e como gratidão pela graça alcançada edificou a capela".
Desde então, a família e os moradores celebram novenas ao longo do mês dedicado ao santo. "A fé se mantém, passando dos pais para os filhos", observa Zenalda Oliveira.
O agricultor, José Vieira lembrou que ainda criança participava do novenário, ao lado dos pais. "Sou devoto, acredito em Jesus e em São José", disse. "A gente começa a rezar desde cedo e continua com a fé em nossa religião".
A dona de casa, Vilena Souza, também diz que os pais e avós participavam das celebrações na comunidade. "É uma tradição que a gente segue e no dia do santo moradores de outros sítios participam da missa com alegria e muita fé".
Abundância
Em sua experiência popular, o agricultor sabe que os homens tardam em apresentar soluções, políticas públicas eficazes, para combater os efeitos da escassez de chuva que se arrasta no sertão desde 2012. Restam-lhes, portanto, dirigir preces ao céu para que derrame água com abundância e melhore a vida na terra.
O agricultor Raimundo de Brito é um deles. "Tenho o costume de plantar no Dia de São José porque acredito no santo", disse. Leia mais na página 2

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