sábado, 17 de março de 2018

Patrimônio arqueológico fará parte do Geopark Araripe

A parede de pedra possui ícone muito fortes, semelhante a tuiuiús ( Foto: Antonio Rodrigues )

Crato. O povoamento do Cariri envolve resistência, lutas, suor, mortes e muitas lendas. Uma delas é que a Chapada do Araripe é um mar subterrâneo represado pela Pedra da Batateira, que seria a cama da Mãe D'água. Pelo imaginário popular, se um dia a pedra rolar, todo vale seria inundado. Também conta-se que uma cobra gigante era vista com frequência na "Lagoa Encantada". Resquícios dessas histórias e da chegada do homem na região podem estar presentes no sítio arqueológico de Santa Fé que, em breve, será aberto para visitação, quando se tornar um geossítio do GeoPark Araripe.
No último mês, a diretoria do GeoPark Araripe se reuniu com representantes da Fundação Casa Grande para discutir o gerenciamento da proposta do Geossítio de Santa Fé, que fica a cerca de 20 quilômetros da sede do município do Crato e está a 800 metros de altitude. Seu principal atrativo são as inscrições rupestres deixadas pelos antigos habitantes que viveram na Região do Cariri cearense, ao sul do Estado do Ceará. A área, de 8,3 hectares, possivelmente, fará parte do território da Organização das Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura (Unesco).
Os estudos arqueológicos estão sendo feitos pela Fundação Casa Grande, que há três décadas pesquisa no local. Já o mapeamento geológico ficará por conta da equipe de Geoconservação do GeoPark Araripe. A expectativa é que todo levantamento seja concluído até junho para ser apresentado no dia 10 de setembro deste ano, na Conferência Global de Geoparques, na Itália, junto com a candidatura de mais dois geossítios: Levadas de Água e Caldeirão da Santa Cruz. Todos no município de Crato.
O objetivo é que, a partir da inclusão, possam atrair turistas, curiosos e estudiosos. Hoje, o processo mais avançado é o Sítio de Santa Fé, no distrito homônimo. O levantamento topográfico está sendo feito para definir a área, os locais de trilhas, ponto de destaque, além do inventário geológico. O terreno é privado, mas seu proprietário é parceiro da Fundação Casa Grande e do GeoPark Araripe. "Com as devidas justificativas, informações sobre entorno, de acesso ao local, fica pronto para fazer o encaminhamento para o parecer", explica o diretor executivo do GeoPark Araripe, Nivaldo Soares.
Depois de aprovado, a expectativa é que comece a fazer os investimentos para melhorar o acesso, sinalização e divulgação de Santa Fé. Uma equipe deve buscar consultoria junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para estruturar o geossítio para visitação. Algumas atividades com as comunidades do entorno devem ser realizadas para instruir os moradores a fazer uso do espaço com geração de emprego e renda a partir da recepção de visitantes e artesanato. Outras possibilidades podem ser o turismo sustentável e rapel.
"O processo é lento, mas vamos insistindo. A gente tinha uma programação de todo levantamento terminar em abril, mas, por conta das chuvas e da vegetação que tomou conta da área, não deu. Mas a gente está interessado em fazer o mais rápido possível. Depende muito dos parceiros. Quando os estudos estiverem concluídos, serão expostas as análises e resultados que compõe: história, cultural, geologia e comunidades do entorno", acrescenta Nivaldo.
Apesar do grande valor arqueológico, já que é um dos principais sítios do Cariri, o Geopark incluirá Santa Fé também pela sua formação geológica, que apresenta pacotes de arenitos. "Tem aspectos visuais interessantes. Até panorâmico, pode ser considerado relevante. Lá é área de encosta que apresenta desenhos que podem ser considerados como bordados. A formação Exu, em si, favorece essas questões", descreve Nivaldo.
Arqueologia
O casal Alemberg Quindins e Rosiane Limaverde, criadores da Fundação Casa Grande, conheceram o sítio arqueológico na década de 1980, sob propriedade de Eurivan Teles. Logo, a arqueóloga se interessou pelas gravuras, que possuem características singulares de quaisquer outras da região. O que chamou atenção é que na rocha há uma incisão e, posteriormente, se aplicou uma tinta. Acredita-se que estes registros têm mais de 3.100 anos.
"Pela técnica, altitude e tipo de gravismo, Santa Fé é um sítio que se mostra muito mais antigo, eles avançaram lá primeiro. Pelo mapa, é o local mais avançado para o vale do Cariri. A gente acredita que o Santa Fé é mais antigo", pontua a arqueóloga Heloísa Bitú, que também pesquisa sobre o local.
A arqueóloga Rosiane Limaverde, que faleceu em março de 2017, aos 51 anos, se dedicou a estudar as rotas migratórias deste "Homem Kariri", onde foi a sua penetração na região e seu modo de vida. Ela acreditava que aquele local foi utilizado para uma série de funções ritualísticas e isso não foi encontrado em nenhum outro sítio. Santa Fé se tornou um ponto de referência para entender a ocupação humana no Cariri.
A parede de pedra possui um ícone muito forte, que se repete, e Rosiane associava com a possibilidade de ser uma ave. Ele foi escolhido como símbolo do Memorial Homem Kariri. Pelo tipo de ave, que parece um tuiuiú, dá pra imaginar que o Cariri era uma terra com água em maior abundância, já que esta espécie vive em locais mais úmidos, como o Pantanal.
Mas o que mais chamou atenção foi a presença de uma linha sinuosa que as pessoas associam a uma serpente. É ela que pode estar ligada ao mito dos índios da "Mãe D'água", que vive na lagoa encantada em cima da Chapada do Araripe. Santa Fé é o único sítio arqueológico que possui essa representação. "São alguns fragmentos que ainda continuam nas comunidades e podem fazer relação com essa ocupação", pontua Heloísa.
Heloísa Bitú identificou outra serpente após análise no computador. O contraste da imagem reforçava a figura. "Essa pode afirmar que se tratava de uma serpente porque tinha a cabeça definida e uma boca semiaberta. Nada é por acaso", garante a arqueóloga.
Preservação
Em 1991, o bancário Sérgio Limaverde adquiriu a área que compreende o Sítio Arqueológico de Santa Fé. No entanto, ele não conhecia nada das gravuras até Alemberg e Rosiane visitarem o local para os estudos. Hoje, aposentado, Sérgio lembra que foi graças ao casal que ele manteve a conservação. "Nunca desmatei porque pediram para não tirar a originalidade que era a mata e ter cuidado com invasão", lembra.
Como ainda não morava no Crato, ele chegava a flagrar dois a três carros subindo e invadindo o local sem permissão. Foi aí que tomou a atitude de colocar um portão e cadeado na entrada da estrada. "Eu dizia que ali só mexiam se fosse com o Alemberg e Rosiane. Antes, eu não tinha conhecimento, mas após saber do valor, ajudei a mantê-lo", destaca.
Hoje, a principal ameaça do para Santa Fé é o tempo. Ele sofre processos naturais das rochas e está ameaçado de desaparecimento. Segundo Heloísa Bitú, a ocupação do painel é antiga e foi utilizada por muito tempo. Boa parte já se destacou da rocha e teve uma perda de quase 40%. "Todo o processo não acontece da noite para o dia. É um processo natural que leva bastante tempo para acontecer. A gente consegue perceber que tem gravuras incompletas. O painel era muito maior e tinha muitas gravuras", conta a arqueóloga.
A deterioração está ligada à umidade presente na formação geológica do sítio. A água absorvida das chuvas penetra nas rochas e o sítio fica entre essa parte de absorção e acúmulo de água da Chapada do Araripe. Isso causa um processo de oxidação e degradação da rocha. "Não podemos intervir de forma mais incisiva. A gente tem uma série de leis que protegem o patrimônio que resgatam a originalidade. Como é um processo natural, a gente pode intervir para desacelerar o processo. Fazer com que leve mais tempo", completa.
Com a criação do geossítio, o GeoPark Araripe planeja atuar na diminuição de umidade e fazer escoamento da água para que não caia diretamente nas gravuras. Além disso, será feito um projeto, junto com a Fundação Casa Grande, para gerir o espaço. "A partir de uma análise ecológica, identificamos outros problemas que são as raízes, degradação da área verde, água escorrendo que deteriora a área pintada, os cupins, roedores e insetos. Tudo isso foi analisado, diagnosticado", conclui Heloísa.
Para o diretor da Fundação Casa Grande, Alemberg Quindins, com a criação do geossítio Santa Fé haverá mais condição técnica de preservação à sua disposição como um patrimônio natural, material e imaterial. "O intuito desta mobilização e parceria entre empresas privadas, instituições acadêmicas, instituições de pesquisas e organizações não governamentais, é inédito e exemplar no Cariri e no Estado", exalta.

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